Livru Digitau: fevereiro 2010

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Literatura de "Baratos". Texto "Curtição"

Literatura de "baratos"...? Texto "curtição"...? Essas são, talvez, as únicas pistas que Alcides Mello, autor dos textos Zoológico dos Animais Animados, Mamageroma, Adhishabeba, Os Bebês de Irva Fusgô e Bananas-Dinamite oferecem aos leitores em seu livru digitau. Entre perplexos e tomados pela profusão das palavras, sons, cores e imagens que conduzem os sentidos aos labirínticos caminhos da imaginação - e também da indignação (?!) -, os leitores se perguntam: isso é um livro? Isso é literatura? Se é literatura, quais são as estórias que esses livros contam? Quais são seus personagens? Como se constroem? Por que e para quê?
Naturalmente essas perguntas suscitam um leitor mais experiente, aquele que não espera do texto literário apenas resultados, mas busca nele, além das estórias contadas, efeitos de caráter subjetivo, emocional e/ou crítico.
Refletindo sobre "as pistas", o leitor é capaz de associar a Literatura de "baratos" aos significados atribuidos à palavra quando do seu aparecimento na linguagem de gerações dos anos 70, 80 e que, até hoje, permanece reverberando em uma pluralidade de sentidos que aludem às coisas "legais", "descoladas", "desencanadas" e, ao mesmo tempo "inteligentes", na medida em que fogem aos modelos de escrituras tradicionais. Pensando por esse viés, logo o leitor percebe que o "barato" desse tipo de texto é a "curtição", ou seja, é a oportunidade de aproveitar, fruir, gozar a experiência de um mergulho no inconsciente, onde realidades fantásticas suscitam um novo olhar sobre a lógica do(s) mundo(s)...
O livru digitau de Alcides Mello não se define pelo conceito de texto literário tradicional - que conta uma estória e busca sua coerência ou verossimilhança no mundo concreto. Muito pelo contrário. As estórias de Adhishabeba, Mamageroma, O Zoológico dos Animais Animados, Os Bebês de Irva Fusgô e Bananas-Dinamite são um convite ao non-sense, à "curtição" de estórias que se passam em lugares inimagináveis - pântanos, mangues, céu, astral, em lugares ermos - esquecidos das civilizações e, ao mesmo tempo, presentes nas grandes cidades. Estas quase sempre dominadas por seres que são uma mescla de animais microscópicos, lavas, micróbios, virus, bactérias, crustáceos, enfim, tudo que remonta a um estado primevo da Natureza: estranhos são os animais-personagens que pensam, falam e se articulam para desenvolver ações que constroem, desconstroem para, em seguida, reconstruir novos mundos habitados por seres disformes e, igualmente estranhos. Ao final das estórias, os animais-personagens se dissipam, assim como as realidades por eles criadas, sempre sugerindo a possibilidade de uma súbita reaparição das espécies em qualquer parte do universo.
Responder ao "por que" e "para quê", ler textos como esses demandam um esforço ainda maior por parte do leitor experiente. Guilles Deleuze e Felix Gattan, em Mil Mesetas: Capitalismo y Esquizofrenia, (1988), na parte dedicada às reflexões sobre "Rizoma" lançam um olhar esclarecedor sobre o assunto quando afirmam: "En un libro, como en qualquer otra cosa, hay lineas de articulación y sustentaridad, extratos, territorialidades; pero también hay lineas de fuga, movimientos de desterritorialización y desestratificación. Las velocidades compradas de flujo según esas lineas generan fenómenos de retraso relativo, de viscosidad, o, al contrario, de preciptación y de ruptura. Todo eso, las lineas y las velocidades mesurables, constituyen un agenciamiento ( agencement). Un libro es precisamente un agenciamiento de ese tipo, y como tal inatribuible. Un libro es una multiplicidade" (1988, p.10).
Se bem assimiladas às "iluminações" dos críticos franceses, o leitor/espectador/ouvinte do livru digitau compreenderá que a recepção de textos como os de Alcides Mello devem ser abordados de forma aberta, sem reserva e sem os ranços dos tradicionalismos, hoje incompatíveis com os tempos de multimídia, hipertexto, blogs, MSN, twitters, etc. Ou seja, as produções atuais, além de comunicar percepções e sensações do sujeito em face do(s) mundo(s) e do(s) outro(s), visam expressar um novo modo de encarar o fazer artístico-literário. Hoje, o leitor não é apenas "o leitor"; ele é também autor, espectador, personagem, cúmplice de tramas que se articulam para, em linguagem adequada aos novos meios de comunicação, produzir ou conduzir ações, tensões, suscitar intuições acerca de temas variados, inclusive aqueles "sem pés e sem-cabeças". Tudo isso também demonstra uma nova perspectiva do sujeito contemporâneo desterritorializado, desestratificado, encarar o processo de criação das sociedades altamente tecnológicas e os valores a ele atribuídos.
A propósito desse assunto, os críticos Isabelle de Maison Rouge, Jen-Marc Prévost e Lionel Salem no livro Lárt contemporain, (2006), assim se posionam: "Avec L´art contemporain, le public est appelé à adopter une attidude active. C´est par son regard et sa réflexion critique qu´il donnera vie à lídée de l´artiste et en fera une ouevre" (2006,p.7)
Sendo assim, ao texto...Muito "barato" e muita "curtição"...

Profa. Dra Maria Ivonete S. Silva - ILEEL - UFU - MG

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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